Umbral II
Barra de óleo s/ papel e gravura impressa em gesso, 2023
Por dentro
150 x 110cm
Pétala
150 x 110cm
Mergulho
150 x 110cm
Banquisa I
35,5 x 31 cm
Banquisa II
31x 35,5 cm
Exposição UMBRAL, Duplex AIR, Lisboa, 2023
A exposição lembra-nos...
A exposição UMBRAL, de Monica Mindelis (1978, São Paulo), na Duplex, lembra-nos que a abstração, na arte, é, em si mesma, uma dicotomia. Por um lado, refere-se a alguma coisa que não pode ser tornada objeto mas, por outro lado, ali está ela, a confrontar-nos, na sua não existência com imagens com cores e objetos com corpos, que podemos ver e tocar. A abstração na arte é um processo de apropriação daquilo que não pode ser representado e, simultaneamente, de propor a sua concretização através de um conjunto de objetos e imagens que existem numa narrativa paralela que, em si, tal como o seu ponto de partida, se configura como algo que não pode ser representado. No caso desta exposição, esta paradoxal não existência é formada por três pinturas de óleo sobre papel repletas de cor ao longo de alturas de 1,5 metros que são uma parte da série UMBRAL (2022), que dá o nome à exposição, e por dois objetos com gravuras em placas de acrílico impressa em gesso com cerca de 35 cm de largura cada, que formam parte da série BANQUISAS (2022).
Palavra com origem espanhola, umbral vem do antigo catalão limbrar que, por sua vez, vinha do latim liminaris, -e, relativo à soleira da porta. Em português, umbral significa a peça lateral de uma porta ou ombreira e, em sentido figurado, porta, entrada, limiar, ponto de entrada ou início de algo. Nas pinturas Mergulho, Pétala, e Por Dentro, da série UMBRAL, Monica Mindelis apropria-se da ideia destes lugares de passagem a partir de pares como monocromo / policromo; adição / subtração; quente / frio; linha / mancha; frágil / robusto; ruído / silêncio. Na verdade, a primeira vez que vi a pintura Mergulho, a alguma distância, quando entrei no atelier da artista, vi uma pintura monocromática. À medida que o meu corpo e os meus olhos se aproximaram da pintura, pude perceber que, afinal, o papel alberga inúmeras cores e tonalidades de quente e de frio, de linhas e de manchas, num exercício meticuloso de camadas e subtração no qual a robustez do ruído visual partilha o espaço com a aparente fragilidade do silêncio. O título é particularmente feliz porque as camadas de tinta resultam numa profundidade que evoca, de facto, um mergulho. E os mergulhos são sempre entradas para um lugar. Os títulos, como os pares conceptuais que formam as pinturas, revelam a entrada no purgatório como tempo e lugar intermédio entre o paraíso e o inferno. Neste processo evocativo, é-nos pedido um exercício de representação a partir da abstração – dar uma forma para lá das linhas, manchas, e cores, e ler para lá do que os títulos mostram a uma primeira leitura.
Também os objetos Banquisa I e a Banquisa II da série BANQUISAS, lembram a passagem entre dois espaços. Uma banquisa é um banco ou um campo de gelo, água do mar congelada que forma uma fina camada facilmente quebrável. As banquisas de Mónica Mindelis sugerem esta fragilidade a partir da fricção entre aquilo que se vê e o que existe mesmo que não seja visível a partir de imagens de icebergs. A Banquisa I mostra um iceberg que, na parte superior, que ficará no exterior, é pequena mas, na parte inferior, escondida, tem uma dimensão enorme. Já a Banquisa II revela um iceberg com a parte visível quase da mesma dimensão que a sua parte ocultada pelo mar. No conjunto, como as pinturas da série UMBRAL, as Banquisas evocam a passagem do tempo num mesmo corpo.
Aqui, como nos últimos dez anos, Monica Mindelis apresenta trabalhos na parede (as pinturas da série UMBRAL) e no chão (a Banquisa I e a Banquisa II) para provocar uma verticalidade no olhar do observador, sugerindo uma ideia de ascensão, colocando assim, imagens, objetos, e observadores numa posição intermédia, entre o chão e um outro lugar que, nas construções ocidentais, é compreendido como sagrado.
Esta metodologia tem sido adotada pela artista para refletir sobre os elementos que compõem este lugar de transição com os pares que lhe estão implícitos – o bem e o mal, o inferior e o superior, o visível e o invisível. Abraçando o elemento fogo enquanto metáfora para a vida (Heráclito) e unidade das dualidades (Bachelard), Monica Mindelis explora os pares em narrativas visuais para especular sobre um possível equilíbrio entre opostos e, assim, encontrar um lugar / ser / tempo agregador. Neste processo simultaneamente de aparente abstração visual e de oposições, reminiscente da ideia da unidade ou complementaridade dos opostos de Heráclito, que defendia que conceitos diferentes e opostos tratam igualmente da contradição inerente ao mesmo ser, as duas séries da exposição UMBRAL lembram-nos que entidades divergentes e contraditórias cruzam-se. E é nestes cruzamentos que mostram que fazem parte de uma mesma existência, numa relação de complementaridade e de interdependência.
Luísa Santos
Fotografias: Bruno Lopes