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TERRITÓRIOS

CARTAS DE AMOR

‘Antes, o gesto era mais expansivo, havendo muito movimento corporal, e depois começou a ficar mais pequeno, mais interiorizado (…). A cor permanece, as colagens, a utilização de vários materiais, como o pastel seco, o óleo, o guache, a tinta a óleo…’, explica Mónica Mindelis, enquanto observava os seus novos desenhos.

Mónica Mindelis apresenta-nos um trabalho visceral. Inicialmente, a multiplicação das manchas e movimentos circulares faz-nos lembrar um útero único que estivesse a sustentar ou a comportar o mundo.
Observando, de modo mais atento, reparamos que Mindelis enfatiza propositadamente o centro em torno da mancha, riscando traços e movimentos circulares, com gestos repetidos.

O centro é pesado e denso.

Pensemos agora no modo como os pássaros constroem os seus ninhos, amassando com o corpo os mais diversos materiais que recolhem: os ramos, as folhas, a saliva, o pêlo de outros animais… Pensemos num corpo que amassa e re-amassa o ninho, amiúde, até à exaustão, por entre tentativas variadas, por entre inúmeras falhas e sucessos.

Assim, os desenhos de Mónica Mindelis transportam-nos para a ideia de ‘ninho humano’ de Jules Michelet, deliciosamente evocado por Gaston Bachelard no cap. IV da ‘Poética do Espaço’:

‘A casa é a própria pessoa, sua forma e seu esforço imediato; eu diria seu sofrimento. O resultado só é obtido pela pressão constantemente repetida do peito. Não há um só desses caminhos que, para firmar e conservar a curvatura do ninho, não tenha sido milhares de vezes pressionado pelo seio, pelo coração, certamente perturbando a respiração, talvez com palpitação.’

No entanto, ‘um centro é sempre uma relação. Nunca um centro seria possível se nada existisse fora dele’.[1]

É exactamente nessa relação que os desenhos de Mindelis espelham os nossos medos, mas também os nossos desejos, que tanto obedecem a forças centrípetas, como a forças centrífugas.

Assim, as ‘Cartas de Amor I e II’ deixam-nos sem respostas, ou sugerem-nos algumas pistas que levantam uma multiplicidade de novas perguntas. A verdade é que não chegamos a compreender se o centro nos aconchega ou, ao invés, nos aprisiona, e se os traços que se expandem pelo papel nos levam ao abandono ou, antes pelo contrário, à libertação.

A dúvida persiste.

Em ‘Cartas de Amor I e II’, da série ‘Das tripas, flores. Dos medos, amores’, Mónica Mindelis obriga-nos a um exercício de questionamento constante, sugerido pelo desenho impresso em folhas recortadas de envelope, de forma muito simples e espontânea, direi mesmo, desconcertante.

Gaëlle Istanbul
Lisboa, 2014

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[1] Escreve João Fernandes no livro ‘Sombras à volta de um centro’, por ocasião da exposição das obras de Lurdes de Castro, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves.

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Cartas de Amor I, 2014
12 desenhos – lápis aguarela s/ envelopes abertos, 160 x 165 cm
Cartas de Amor II, 2014
12 desenhos – lápis aguarela s/ envelopes abertos, 160 x 165 cm
Depois das Cartas de Amor I, 2015
9 desenhos – tinta acrílica, colagem e materiais riscadores s/ papel Fabriano, 10 x 15 cm cada desenho.
Depois das Cartas de Amor II, 2015
4 desenhos – tinta acrílica, colagem e materiais riscadores s/ papel Fabriano, 10 x 15 cm cada desenho.
Depois das Cartas de Amor III, 2015
5 desenhos – tinta acrílica, colagem e materiais riscadores s/ papel Fabriano, 10 x 15 cm cada desenho.

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Da primitividade do refúgio, 2016
Colagem, tinta acrílica e materiais riscadores s/ papel Fabriano Rosaspina, 29 x 21 cm



Todo ninho está condenado ao abandono, 2016
100 objetos – ráfia, gesso e folha de ouro, dimensões variáveis.
Todo ninho está condenado ao abandono, 2016
100 objetos – ráfia, gesso e folha de ouro, dimensões variáveis.



Territórios, 2016
Tinta acrílica e colagem s/ tela, 150 x 150 cm